A recente pesquisa do Coppe/UFRJ divulgada na última semana, trouxe dados assustadores. 500 mil mortos no trânsito na última década. Uma média de 50 mil vidas perdidas a cada ano. Como chegamos até aqui? Como diz o logo acima, de um Programa de Segurança Viária na Inglaterra, pensar pode ajudar.
Então vamos pensar juntos. Podemos começar fazendo um balanço de como andam, no Brasil, os três pilares da Segurança Viária, elencado no título deste post: Educação, Engenharia e Esforço Legal, alguns utilizam o termo Fiscalização. Em inglês, Enforcement pode significar aplicação, execução, cumprimento ou, em menor uso, coação e constrangimento. Ou seja, aplicar e fazer cumprir a lei.
Comecemos pela Engenharia.
Estradas bem projetadas, bem construídas, bem conservadas e com todos os equipamentos de segurança necessários são estradas seguras. Neste quesito ainda nos falta muita coisa, mas temos melhorado nos últimos anos. Mas, ainda estamos longe do ideal. Recente pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes estima que o Brasil precisa investir 290 bilhões de reais para ter uma malha viária de qualidade. Questões orçamentárias, de vontade política e uma falta de definição ou convicção de que modelo seguir, concessões, privatizações, etc, por parte não só dos governantes, mas da própria sociedade, atrasam consideravelmente um avanço nesta área.
Esforço Legal: no que se refere a possuir uma legislação de trânsito que contemple as necessidades da segurança viária, estamos bem. A legislação brasileira se enquadra nos padrões estabelecidos pela ONU e pela Organização Mundial da Saúde. A grande falha aqui está no cumprimento dessa legislação. Nossa fiscalização é insuficiente, muitas vezes falha e, no quesito punição, completamente inócua. É muito fácil se livrar de uma multa, mesmo após ter sido aplicada. E qual foi a última vez que você ficou sabendo que alguém que cometeu um crime de trânsito foi condenado e, efetivamente, parou na cadeia?
Aqui o papel da sociedade também é dúbio. Ao mesmo tempo que pede legislação e punições duras, protesta e até pressiona contra radares, bafômetros, fiscalizações mais rígidas. A lei só vale para os outros, assim como diversas pesquisas sempre chegam ao resultado de que 90% dos motoristas entendem que dirigem bem e respeitam as leis de trânsito. O problema são os outros. E, como é uma área bastante sensível à política (voto), as autoridades hesitam e falham na fiscalização e na punição.
Educação: ficou por último por ser o mais complexo. Acredito que o correto seria educação e cultura, pois envolve aspectos de ambos. Educação envolve desde a capacidade de entender e interpretar a legislação de trânsito, o funcionamento do veículo e sua interação com o meio, a educação formal: a educação para o trânsito nas escolas, as campanhas de mídia e até valores, como o respeito ao outro.
Como aspectos culturais, o modo como encaramos o automóvel, sua posse e seu uso, a maneira como vemos e compartilhamos o espaço público, entre outros. Não é raro encontrar pais e mães, maridos e esposas (mais aqueles do que estas) amorosos e zelosos por suas famílias, capazes de atos de desprendimento e heroísmo por seus entes queridos, que não hesitam em colocar a vida deles em risco pelo prazer de se sentir um Senna, um Piquet, um Schumacher nas estradas.
Aqui o buraco é grande. A educação para o trânsito nas escolas enfrenta um inimigo poderoso: o exemplo. O que adianta a criança aprender na escola, se ao sair encontra o pai (ou mãe) em fila dupla, discutindo sobre a vaga, e até chegar em casa, passa o sinal vermelho, não respeita os limites de velocidade, fecha os demais motoristas, zomba da fiscalização e se vangloria de ser "esperto" e bom de braço? E, como dizem, o exemplo é mais contagioso que o ebola.
A educação e a cultura, ou a falta de, influenciam até o esforço legal. O último exemplo é a recente operação da Polícia Rodoviária Federal de utilizar dois radares para coibir os motoristas que reduzem ao se aproximar de um radar e voltam a exceder o limite de velocidade assim que passam por ele. Prática tão perigosa, ou mais, do que o excesso de velocidade.
Pois, não faltaram vozes a aumentar o volume, reclamando que era ilegal e injusto. Ora, o limite de velocidade vale para TODA a rodovia, salvo pontos expressamente sinalizados. Ou seja, você precisa respeitar o limite em TODA a via e não só onde está o radar. Entendeu? Ou quer que desenhe? Ah! ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo crime! Quer dizer então, se eu matar alguém numa esquina e matar outro duas esquinas adiante e for preso, só posso ser julgado e condenado por uma das mortes?
Talvez devêssemos adotar o sistema Point to Point, usado em algumas estradas americanas, para fiscalizar veículos pesados. Uma câmera no início do trecho e uma câmera no final do trecho onde há mais acidentes. O computador calcula o tempo que você levou para percorrer a distância, a velocidade média e compara com o tempo que levaria para percorrer dentro do limite de velocidade. Se estiver acima deste, você é multado.
Enfim, para baixarmos aquele número lá de cima, precisamos de mais investimentos na infraestrutura viária, ações de educação e campanhas de mídia melhor formatadas, incluindo aspectos culturais (talvez mais pesquisas, e mais aprofundadas, sobre o comportamento dos motoristas, e fiscalizações e punições mais frequentes, eficazes e duras. E, muito importante: que você não desligue o cérebro ao ligar o carro.