domingo, 7 de maio de 2017

Dous ff ou epa, opa, upa 2



Ainda Gregório de Matos e o noticiário...

De dous ff se compõe 
esta cidade a meu ver, 
um furtar, outro foder. 
Recopilou-se o direito, 
e quem o recopilou com dous ff o explicou 
por estar feito e bem feito: 
por bem digesto e colheito, 
só com dous ff o expõe, 
e assim quem os olhos põe 
no trato, que aqui se encerra, 
há de dizer que esta terra 
De dous ff se compõe.

epa, opa, upa...


Reflexões ao acompanhar o noticiário. Lembranças do velho Boca do Inferno. Um pouco de Gregório de Matos, em tempo de bocas domesticadas e penas alugadas, faz bem.

Neste mundo é mais rico o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua, ao nobre o vil decepa;
O velhaco maior sempre tem capa.
Mostra o patife da nobreza o mapa;
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa;
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.
A flor baixa se inculca por tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa,
Mais isento se mostra o que mais chupa.
Para a tropa do trapo vazo a tripa
E mais não digo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

A piscadela...

Tanta cumplicidade num farfalhar de pestanas
Tanta esperança num encontro de pálpebras
"- Alex, minha vida em tuas mãos!"
"-Eu sei, eu sei, Edinho!
Absoluta imparcialidade e liberdade na hora da votação.
Confia lobão!"
E, então, ele piscou.
No bater das pestanas
o medo virou esperança
das trevas fez-se a luz!


terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Zizica's basement

 17h. 
                                                                                         o céu desaba
                                                                                         em fúria sinfônica
                                                                                         de vento e água.
                                                                                   O odor úmido da terra
                                                         remete ao porão da casa da minha avó.

                                                                                          Pode chover!

                                                                                          refúgio seguro
                                                                        no aconchego da memória.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017


Leguisamo solo...



Uma das melhores coisas da internet é a possibilidade de se ouvir rádios de todo o mundo. Um dos meus passatempos prediletos, ouvir os diferentes sotaques e saber um pouco do que acontece pelo mundo, direto das fontes.
Entre as minhas favoritas está uma rádio AM que, apesar de ficar em Montevidéu, tem um jeitão de rádio de cidade pequena do interior. 
Só música e "reclames" à moda antiga: locutores de voz empostada lendo os textos objetivos e diretos. 
A Clarín "quinientos ochenta, radiodifusión las veinticuatro horas al dia, todo el año, para toda la banda oriental del Plata e, por banda ancha a todo el mundo..." orgulha-se de preservar a devoção à música típica e folclórica da região e ao imortal Carlos Gardel. 
As 24 horas da programação são preenchidas, além dos reclames, por tangos e milongas e "en todas las horas pares, canta Gardel..."
Pois, dia desses, servia a Clarín de trilha sonora para o trabalho no computador quando a horas tantas (com certeza hora par) Gardel solta a voz e rasga o verbo: 
"Alzan las cintas; parten los tungos
como saetas al viento veloz..." 

e, na mente, o partidor também abre as portas e as lembranças disparam em tropel frenético...

"Detras va el Pulpo, alta la testa
la mano experta y el ojo avizor...
"



El Pulpo, el Eximio, el Maestro é Irineo Leguisamo (1903-1985), considerado o ginete mais importante do turfe sul-americano do século XX. 
Homenageado por Modesto Papávero neste tango (Leguisamo solo) popularizado por Gardel, aficionado do turfe (ouça Palermo e Por una Cabeza) e amigo de Leguisamo, a quem confiou seu cavalo Lunático (melhor nome ever. Já que o turfe envolve doses cavalares - não resisti ao trocadilho infame - de insanidade que só as paixões despertam). 
"Siguen corriendo; doblan el codo,
ya se acomoda, ya entra en acción...
Es el maestro el que se arrima
y explota un grito ensordecedor..."
gorjeia o Zorzal. 


As lembranças se agitam, talvez por que Leguisamo nasceu na província de Salto, num lugar de profético nome: Potreros de Arerunguá. Província de Salto de onde vieram ancestrais maternos. Ou por que nesta linha de ancestrais houve um outro apaixonado pelos cavalos: seu Ricarth, o Capitão.
Avô meio lenda urbana: sempre longe, andando de hípica em hípica, treinando los tungos e, de quebra, dando um rumo na vida para algum garoto franzino com jeito para montar um zaino (de pelo e de gênio). E quando por perto contador de histórias fantásticas e encantadoras.
"Leguisamo solo!..."
gritan los nenes de la popular.
"Leguisamo solo!..."
fuerte repiten los de la oficial.
"Leguisamo solo!..."
ya esta el puntero del Pulpo a la par.
"Leguisamo al trote!..."
y el Pulpo cruza el disco triunfal.



As lembranças ficam mais vivas. O filme da memória projetado na retina. Os gritos do povaréu, encostado na cerca de mourões de eucalipto, misturado ao eco dos cascos batendo no chão de terra; partículas de poeira dançando num raio de sol, alheias ao drama de pescoços, ancas e pernas com músculos contraídos de zainos; colorados; baios; gateados; rosilhos; tobianos e tordilhos numa epopeia retratada com todos os matizes impressionistas. 

Impossível não sentir de novo os cheiros de suor, de humanos e equinos, de grama pisoteada, de terra molhada quando alguma garoa descia sem avisar, misturados ao odor da iguaria mor da gastronomia hípica: pastel de cancha reta! fresquinhos, recém saídos da banha quente e que seriam devidamente degustados acompanhados, ou não, de um guaraná Charrua; uma laranjinha Balvedi ou Minuano limão.
Estes poucos momentos compensavam a não presença. Melhor do que tudo era compartilhar do brilho no olhar, do sorriso largo, poder fazer parte deste mundo único e particular, que aos olhos de uma criança era simplesmente mágico!

...e cruza o disco triunfal!  Gracias Capitão!!


terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Modinha pros tempos de agora


A Liberdade
Dança na corda bamba
De sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar....

Azar!
A Esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista
Tem que continuar...


Salve João Bosco, salve Aldir Blanc, salve Elis.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Haikai capenga




A moça do tempo fala Roráima. E daí?

Não é de hoje. Pelo menos desde 2011 a Globo vem nesta cruzada de tentar implementar um regionalismo como valor universal. É a Globo sendo Globo. Fiel às origens no autoritarismo e a sua aversão figadal às diferenças. Já esclarecendo de antemão que não há nada de errado com Roráima. Nem com Rorãima.
Temos aqui um caso do campo da prosódia. Senhora da família Gramática, que se dedica às características da emissão dos sons da fala, como o acento e a entonação. Ou, abusando da livre interpretação: do bom e velho sotaque. 
Como sabemos o pessoal do norte e nordeste tem uma tendência a abertura das vogais pretônicas. Acontece que o português brasileiro sempre teve uma forte tendência à nasalização dos ditongos seguidos de m ou n. Assim, em quase todo o Brasil, fala-se andaime ('andãime') e não andáime, paina ('pãina') e não páina,  polaina ('polãina') e não poláina, plaina ('plãina') e não pláina, Elaine ('Elãine') e não Eláine, Jaime (Jãime) e não Jáime. Ao contrário dos nossos queridos portugueses, que preferem andáime e Jáime.
Mas, o  que dizem os dicionários? O Houaiss "tucaneia" e não se define sobre o assunto. Apenas registra que até o início do século 20 a pronúncia ainda alternava entre Rorãima, Roráima e, acredite, Roraíma, sim, com a tônica no i. Já o Aurélio toma partido e no verbete roraimense, indica a pronúncia (ãi).
Também não podemos ignorar a posição do respeitável filólogo Evanildo Bechara, para quem a presença de m ou n na sílaba seguinte pode ou não nasalar as vogais anteriores.
Então, qual o problema da moça do tempo (e quase todo mundo no jornalismo da Globo) falar
Roráima? Nenhum. A Globo pode ter decidido consultar um filólogo lusitano ou apenas prestigiar a fala regional. O problema é que já ouvi muita gente boa bater no peito e louvar o pessoal da Globo, que "estes sim falam certo". Seja por fatores, regionais, culturais ou educacionais, a variação prosódica é fato em qualquer língua.
O incômodo está no escrito lá em cima, a preferência do jornalismo da Globo em achatar ou eliminar diferenças, a diversidade de ideias, crenças ou falares. E que encontra eco numa cultura do tempo do Brasil colônia e numa baixa auto-estima atávica de boa parte da população (em especial da classe média) que precisa de confirmação e corroboração para o que sente, pensa ou fala.
Moral da história: se você quiser falar Rorãima, Roráima ou mesmo ressuscitar o Roraíma, fique á vontade. Para desespero dos ditadores da língua, que faz o idioma são os falantes. Ele vem de baixo para cima e não o contrário. 

Quem soprou a chama da liberdade?


A capa da The New Yorker desta semana, de John W. Tomac, expressa o sentimento que ronda e assombra muitas mentes e corações neste começo de 2017. Terá a chama da Liberdade se extinguido? Apagará em breve, já apagou? As notícias vindas do grande irmão do norte, das terras do outro lado do lago Atlântico e mesmo do nosso Brasil varonil tem o odor do fumo da incineração de direitos e liberdades.
Profética ou exagerada? Pessimista ou realista? Como disse na frase de abertura, Tomac apenas retrata um sentimento, ou pensamento, que assaltou a muitos diante dos acontecimentos recentes.
É fato que a história tem ciclos, já vivenciamos ou aprendemos na escola, nos livros, momentos em que a democracia e a liberdade foram cerceadas, reduzidas ou suprimidas. A intolerância, o autoritarismo, o populismo, o preconceito, o ódio, a ignorância e o medo também habitam a alma humana. Controlados pela pressão social, pela moral ou domesticados pelo conhecimento, mas sempre prontos a saltar à tona quando as condições ideais de temperatura e pressão se apresentam.
Já vimos, e ainda vemos, muita destruição, mortes e violência perpetradas em nome de "boas intenções" e apoiadas, por ação ou omissão, pela maioria (silenciosa ou não).
O que nos dá esperança é que sempre houve resistência. Sempre existiram aqueles que se negaram a resignar-se, que ainda eram capazes de se indignar e agir, para manter a chama acesa.
Quando a chama da Liberdade está vacilante, é hora de acender o fogo da indignação. Ou acender uma vela, como diz o Rappa: A chama da vela que reza/Direto com o santo fala.....